Extraído do livro: O peso de glória – Ed. Vida
Agora preciso dizer algo que talvez
lhes pareça um paradoxo. Vocês sempre ouviram que, apesar de ocuparmos posições
diferentes e termos condições diferentes no mundo, somos iguais aos olhos de
Deus.
Naturalmente, isso é verdade em alguns
sentidos.
Deus não faz acepção de pessoas. Seu
amor por nós não é medido pela nossa posição social nem pelos nossos talentos
intelectuais. Acredito, porém, que existe um sentido em que essa máxima é o
oposto da verdade. Arrisco-me a dizer que é necessário igualdade artificial na
vida civil, no Estado, mas que na Igreja nos despimos do disfarce, recuperamos
nossas verdadeiras desigualdades e somos por isso renovados e aguçados.
Acredito na igualdade política.
Entretanto, existem dois motivos opostos para ser democrata.
Pode-se pensar que todos os homens são tão bons que merecem um quinhão no governo da
Commonwealth, e tão sábios que a Commonwealth precisa do conselho deles. Essa
é, em minha opinião, a doutrina romântica e falsa da democracia.
Por outro lado, pode-se acreditar que
homens decaídos sejam tão perversos que a nenhum deles se deve confiar
irresponsável poder sobre os demais.
Acredito que essa seja a verdadeira
base da democracia. Não acredito que Deus tenha criado um mundo igualitário.
Acredito que a autoridade dos pais sobre os filhos, do marido sobre a mulher,
dos instruídos sobre os simples fazia parte do plano divino original, da mesma
forma que a autoridade do homem sobre os animais. […]
Uma vez porém, que conhecemos o pecado,
descobrimos, como diz Lorde Acton, que “todo poder corrompe, e o poder absoluto
corrompe absolutamente”.
O único remédio foi retirar os poderes
e pôr no lugar uma ficção de igualdade. A autoridade do pai e do marido foi corretamente abolida no plano
jurídico, não porque essa autoridade em si seja ruim (pelo contrário, ela é,
considero, de origem divina), mas porque os pais e os maridos são maus.
A teocracia foi corretamente abolida,
não porque é ruim que os sacerdotes instruídos governem os leigos ignorantes,
mas porque os sacerdotes são homens perversos como todos os outros. […]
Para mim, a igualdade está na mesma
condição das roupas. São a consequência da Queda e o remédio para ela.[...]
Qualquer tentativa de refazer os passos
pelos quais chegamos ao igualitarismo e de reintroduzir as antigas autoridades
no nível político é para mim tão tola quanto seria abolir as roupas.
Os nazistas e os nudistas cometem o
mesmo erro. É o corpo nu, ainda sob as roupas de cada um nós, que de fato vive.
Nosso verdadeiro interesse é o mundo hierárquico, ainda vivo e escondido (muito
pertinentemente) por trás de uma fachada de cidadania igualitária.
Não me entendam mal. Não estou nem um
pouco diminuindo o valor dessa ficção igualitária, que é nossa única defesa
contra a crueldade uns dos outros. [...]
A função da igualdade, entretanto é
puramente protetora. É um remédio, não o alimento. Tratando as pessoas humanas
(em sensato desafio aos fatos observados) como se elas fossem todas do mesmo
tipo, evitamos inúmeros males.
No entanto, não é para viver nesse
sistema que fomos criados. É desnecessário dizer que os homens têm igual valor.
[...]
O valor infinito de cada alma humana
não é uma doutrina cristã. Deus não morreu pelo homem por causa de algum valor
que tenha visto nele. O valor de cada alma humana em si somente, fora da
relação com Deus, é zero.
Como escreve o apóstolo Paulo, ter morrido
por homens de valor não teria sido divino, mas tão somente heróico; mas Deus morreu
por pecadores.
Ele nos amou não porque somos amáveis,
mas porque Ele é Amor.
Pode ser que Ele ame todos igualmente –
sem dúvida Ele amou todos a ponto de morrer (…).
Se existe igualdade, ela está no amor d’Ele,
não em nós.