domingo, 4 de novembro de 2012
C.S.Lewis – Sofrimento humano – um paradoxo
Extraído do livro: O Problema do Sofrimento – Editora Vida
Há certo paradoxo no Cristianismo acerca da tribulação. Abençoados são os pobres, mas, por meio do “julgamento” (isto é, da justiça social) e dos donativos devemos eliminar a pobreza onde quer que seja possível. Abençoados somos quando perseguidos, mas podemos evitar a perseguição indo de uma cidade para outra e podemos orar para sermos poupados dela, tal como nosso Senhor orou no Getsêmani. No entanto se o sofrimento é bom, não deve ele ser buscado, em vez de evitado? Respondo que o sofrimento não é bom em si mesmo. O que é bom em toda experiência de sofrimento é, para o sofredor, sua submissão à vontade de Deus e, para os espectadores, a compaixão despertada e os atos de bondade a que ela conduz.
(…) Alguns ascetas aplicavam a tortura a si mesmos (…) ...insisto em que, sejam quais forem seus méritos, a tortura de si mesmo é coisa bem diversa da tribulação enviada por Deus. Todos sabem que o jejum é uma experiência diferente de se perder o jantar por acidente ou em virtude da pobreza. O jejum afirma a vontade contra o apetite, sendo a recompensa o autodomínio, e o perigo, o orgulho.
(…) As práticas ascéticas, que fortalecem a vontade, só são úteis na medida em que facultam à vontade colocar a própria casa (as paixões) em ordem (…). Elas são necessárias como meio: como fim, seriam abomináveis (…). Por esta razão é que já se disse que “só Deus pode mortificar”.
A tribulação atua em um mundo – e pressupõe um mundo – em que os seres humanos comumente estão buscando, por meios legítimos, evitar o seu mal natural e conseguir seu bem natural. Se quisermos submeter a vontade a Deus, devemos ter uma vontade, e esta por sua vez deve ter propósitos. A renúncia cristã não é o mesmo que “apatia” estoica, mas uma certa prontidão para escolher Deus, e não objetivos inferiores, que são em si mesmos legítimos. Por isso é que o “Homem Perfeito” levou ao Getsêmani uma vontade – e uma forte vontade – de escapar ao sofrimento e à morte, caso essa fuga fosse compatível com a vontade do Pai, aliada a uma perfeita prontidão para a obediência, se assim não fosse.
(…) Seria inteiramente falso, portanto, supor que a visão cristã do sofrimento é incompatível com a ênfase mais forte em nosso dever de deixar o mundo – até mesmo no sentido temporal - “melhor” do que o encontramos. Na mais abrangente parábola que Ele fêz do Juízo, nosso Senhor parece reduzir toda virtude à beneficência ativa (Mt 25:31-46). E embora fosse equivocado tomar essa única imagem isoladamente no que diz respeito ao Evangelho como um todo, ela é suficiente para colocar além de qualquer dúvida os princípios básicos da ética social do Cristianismo.
(…) Se a tribulação é um elemento necessário à redenção, devemos antecipar que ela nunca cessará enquanto Deus não declarar o mundo redimido ou não mais passível de remissão. O cristão não pode, pois, acreditar em ninguém que prometa o céu na Terra com base em alguma reforma no sistema econômico, político ou sanitário. (…) Homens com fome buscam alimento, e os doentes, a cura, mesmo sabendo que depois do alimento ou da cura os altos e baixos da vida ainda os aguardam. Não estou, evidentemente, pondo em questão se mudanças muito drásticas em nosso sistema social são ou não desejáveis: só faço lembrar o leitor de que determinado remédio não deve ser equivocadamente considerado o elixir da vida.
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