terça-feira, 14 de maio de 2013

C.S Lewis – Aprendendo em tempos de Guerra


Extraído do livro: Um ano com C.S.Lewis – Ed. Ultimato
Original do livro: Peso de Glória

 
Em 1.939 C. S. Lewis prega “Aprendendo em Tempos de Guerra” na hora da
oração da tarde na igreja St. Mary the Virgin, na Universidade de Oxford

 
O maior inimigo (do acadêmico em tempos de guerra) é a ansiedade – aquela tendência de pensar na guerra e senti-la quando, na verdade, o que pretendíamos fazer mesmo era pensar no trabalho. A melhor defesa é reconhecer que nisso, como em outros aspectos, na verdade,  a guerra não trouxe nenhum novo inimigo, apenas piorou o antigo. Sempre temos inúmeros

inimigos no trabalho. Vivemos nos apaixonando e competindo, procurando um

emprego ou com medo de perdê-lo, ficando doentes e nos recuperando, acompanhando escândalos públicos. Se nos deixarmos levar, estaremos sempre esperando o término de alguma distração ou outra para, então, nos concentrar no nosso trabalho. As únicas pessoas que alcançam êxito são as que querem tanto o conhecimento que insistem em buscá-lo mesmo em condições pouco favoráveis. Nunca temos condições favoráveis. É claro que há momentos em que a pressão da ansiedade é tão grande que só o autocontrole de um super-homem seria capaz de resisti-la. Esses momentos acabam chegando  tanto na guerra quanto na paz. Precisamos fazer o melhor que conseguirmos.

O segundo inimigo é a frustação – o sentimento de que não temos tempo suficiente para terminar as coisas.  Se eu lhe disser que ninguém tem esse tempo e que a mais longa vida humana faz de qualquer pessoa, em qualquer área do conhecimento , um iniciante, posso até parecer estar dizendo algo acadêmico e teórico. Você ficaria surpreso em saber o quão cedo começamos a sentir que a corda é  bem curta, que são muitas as coisas para as quais, mesmo na meia-idade, somos obrigados a dizer: “É tarde demais para isso” ou

“Isso não é para mim”. Mas a própria natureza nos proíbe admitir esse tipo de experiência. Uma  atitude mais cristã, que pode ser alcançada em qualquer idade, é deixar o futuro nas mãos de Deus. E é bom que façamos isso, porque

a Deus pertence o nosso futuro, não importa se o deixamos em suas mãos ou não. Jamais confie, seja em tempos de guerra ou em tempos de paz, a sua virtude ou felicidade ao futuro.  São mais felizes no trabalho aqueles que não levam os seus planos de longo prazo tão a sério e que, a cada instante, trabalham “como que para o Senhor”. Somos encorajados a pedir o nosso pão diário, e nada mais. O único tempo em podemos cumprir qualquer tarefa ou receber qualquer graça é o presente.

O terceiro inimigo é o medo. A guerra nos ameaça de morte e sofrimento. Nenhuma pessoa – e principalmente nenhum cristão capaz de se lembrar do

Getsêmani – tem  de alcançar uma indiferença estóica em relação a essas coisas, mas guardar-se  das ilusões da imaginação.  É só pensarmos nas ruas de Varsóvia e constrastar as mortes ali  ocorridas com uma abstração chamada vida. Mas não há dúvida que acabaremos morrendo de um jeito ou de outro – por uma metralhadora hoje, por um cancêr daqui a quarenta anos. O que a guerra traz de novo no que diz respeito à morte? Ela certamente não torna a morte mais frequente; cem por cento das pessoas morrem, e essa porcentagem não tem como ser aumentada. A guerra faz com que várias mortes se deêm mais cedo, mas dificilmente eu imaginaria que isso é mesmo o que tememos. Certamente, quando a hora chegar, fará pouca diferença quantos anos teremos vivido. Será que a guerra aumenta as nossas chances de uma morte penosa? Eu duvido. Até onde eu posso enxergar, o que chamamos de morte natural normalmente vem precedido de sofrimento, e um campo de batalha é um dos poucos lugares onde alguém tem uma perspectiva razoável de ao menos morrer sem sofrimento. Será que ela diminui as nossas chances de morrer em paz com Deus? Não posso acreditar. Se o exército não é capaz de persuadir um homem a se preparar para a morte, que série imaginável de circunstâncias poderia fazê-lo? Porém a guerra faz alguma diferença em relação à morte. A guerra nos força a nos lembrar da morte. A única razão por que um câncer aos sessenta anos ou uma paralisia aos setenta e cinco não nos importa nem um pouco é porque nos esquecemos deles.

A guerra torna a morte mais real para nós e a maioria dos grandes cristãos do passado acabaria se referindo a ela como uma das suas maiores bençãos. Eles achavam bom para nós estar sempre conscientes da nossa mortalidade. Estou inclinado a pensar que eles têm razão. Toda a vida animal em nós, todos os esquemas de felicidade que se concentram neste mundo, sempre estiveram fadados a uma frustração no final. Em outros tempos, só mesmo um homem sábio poderia se dar conta disso. Hoje o mais estúpido dos homens sabe disso.

Nós nunca nos enganamos com o tipo de universo em que todos nós vivemos juntos, e temos de chegar a um fim com tudo isso. Todas as tolas esperanças não-cristãs depositadas na cultura humana estão totalmente destruidas agora. Se supúnhamos estar construindo um Céu na Terra, se estávamos tentando transformar o mundo de hoje de um lugar de peregrinação em uma cidade permanente, para satisfazer a alma humana, ficaremos desiludidos, e muito rapidamente. Mas, se imaginávamos que, para certas almas, e em certos tempos, a vida de estudos, humildemente ofertada a Deus, fosse, em sua própria fragilidade, uma maneira de vislumbrar a realidade e a beleza divinas que esperamos apreciar daqui para frente, podemos continuar pensando assim.

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