Extraído do livro: Um ano com C.S.Lewis – Ed. Ultimato
Original do livro: Peso de Glória
Em 1.939
C . S. Lewis prega “Aprendendo em Tempos de Guerra” na
hora da
oração da tarde na igreja St. Mary the Virgin, na Universidade
de Oxford
O maior inimigo (do acadêmico em tempos de guerra) é a
ansiedade – aquela tendência de pensar na guerra e senti-la quando, na verdade,
o que pretendíamos fazer mesmo era pensar no trabalho. A melhor defesa é
reconhecer que nisso, como em outros aspectos, na verdade, a guerra não trouxe nenhum novo inimigo,
apenas piorou o antigo. Sempre temos inúmeros
inimigos no trabalho. Vivemos nos apaixonando e
competindo, procurando um
emprego ou com medo de perdê-lo, ficando doentes e nos
recuperando, acompanhando escândalos públicos. Se nos deixarmos levar,
estaremos sempre esperando o término de alguma distração ou outra para, então,
nos concentrar no nosso trabalho. As únicas pessoas que alcançam êxito são as
que querem tanto o conhecimento que insistem em buscá-lo mesmo em condições
pouco favoráveis. Nunca temos condições favoráveis. É claro que há momentos em
que a pressão da ansiedade é tão grande que só o autocontrole de um super-homem
seria capaz de resisti-la. Esses momentos acabam chegando tanto na guerra quanto na paz. Precisamos
fazer o melhor que conseguirmos.
O segundo inimigo é a frustação – o sentimento de que
não temos tempo suficiente para terminar as coisas. Se eu lhe disser que ninguém tem esse tempo e
que a mais longa vida humana faz de qualquer pessoa, em qualquer área do
conhecimento , um iniciante, posso até parecer estar dizendo algo acadêmico e
teórico. Você ficaria surpreso em saber o quão cedo começamos a sentir que a
corda é bem curta, que são muitas as
coisas para as quais, mesmo na meia-idade, somos obrigados a dizer: “É tarde
demais para isso” ou
“Isso não é para mim”. Mas a própria natureza nos
proíbe admitir esse tipo de experiência. Uma
atitude mais cristã, que pode ser alcançada em qualquer idade, é deixar
o futuro nas mãos de Deus. E é bom que façamos isso, porque
a Deus pertence o nosso futuro, não importa se o
deixamos em suas mãos ou não. Jamais confie, seja em tempos de guerra ou em
tempos de paz, a sua virtude ou felicidade ao futuro. São mais felizes no trabalho aqueles que não
levam os seus planos de longo prazo tão a sério e que, a cada instante,
trabalham “como que para o Senhor”. Somos encorajados a pedir o nosso pão
diário, e nada mais. O único tempo em podemos cumprir qualquer tarefa ou
receber qualquer graça é o presente.
O terceiro inimigo é o medo. A guerra nos ameaça de
morte e sofrimento. Nenhuma pessoa – e principalmente nenhum cristão capaz de
se lembrar do
Getsêmani – tem
de alcançar uma indiferença estóica em relação a essas coisas, mas guardar-se das ilusões da imaginação. É só pensarmos nas ruas de Varsóvia e
constrastar as mortes ali ocorridas com
uma abstração chamada vida. Mas não há dúvida que acabaremos morrendo de um
jeito ou de outro – por uma metralhadora hoje, por um cancêr daqui a quarenta
anos. O que a guerra traz de novo no que diz respeito à morte? Ela certamente
não torna a morte mais frequente; cem por cento das pessoas morrem, e essa
porcentagem não tem como ser aumentada. A guerra faz com que várias mortes se
deêm mais cedo, mas dificilmente eu imaginaria que isso é mesmo o que tememos.
Certamente, quando a hora chegar, fará pouca diferença quantos anos teremos
vivido. Será que a guerra aumenta as nossas chances de uma morte penosa? Eu
duvido. Até onde eu posso enxergar, o que chamamos de morte natural normalmente
vem precedido de sofrimento, e um campo de batalha é um dos poucos lugares onde
alguém tem uma perspectiva razoável de ao menos morrer sem sofrimento. Será que
ela diminui as nossas chances de morrer em paz com Deus? Não posso acreditar.
Se o exército não é capaz de persuadir um homem a se preparar para a morte, que
série imaginável de circunstâncias poderia fazê-lo? Porém a guerra faz alguma
diferença em relação à morte. A guerra nos força a nos lembrar da morte. A
única razão por que um câncer aos sessenta anos ou uma paralisia aos setenta e
cinco não nos importa nem um pouco é porque nos esquecemos deles.
A guerra torna a morte mais real para nós e a maioria
dos grandes cristãos do passado acabaria se referindo a ela como uma das suas
maiores bençãos. Eles achavam bom para nós estar sempre conscientes da nossa
mortalidade. Estou inclinado a pensar que eles têm razão. Toda a vida animal em
nós, todos os esquemas de felicidade que se concentram neste mundo, sempre
estiveram fadados a uma frustração no final. Em outros tempos, só mesmo um
homem sábio poderia se dar conta disso. Hoje o mais estúpido dos homens sabe
disso.
Nós nunca nos enganamos com o tipo de universo em que
todos nós vivemos juntos, e temos de chegar a um fim com tudo isso. Todas as
tolas esperanças não-cristãs depositadas na cultura humana estão totalmente
destruidas agora. Se supúnhamos estar construindo um Céu na Terra, se estávamos
tentando transformar o mundo de hoje de um lugar de peregrinação em uma cidade
permanente, para satisfazer a alma humana, ficaremos desiludidos, e muito
rapidamente. Mas, se imaginávamos que, para certas almas, e em certos tempos, a
vida de estudos, humildemente ofertada a Deus, fosse, em sua própria
fragilidade, uma maneira de vislumbrar a realidade e a beleza divinas que
esperamos apreciar daqui para frente, podemos continuar pensando assim.
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