Extraído do livro: Um ano com C.S. Lewis – Ed. Ultimato
Original do livro: Peso de Glória
“ Ó Deus, protetor
de todos os que em ti confiam, sem o qual nada é forte, nada é santo: Aumente e
multiplique sobre nós a sua graça para que possamos passar, por meio da sua
legislação e condução, pelas coisas temporais, a fim de não perder as coisas
eternas. Rogamos por isso, ó Pai celestial, por amor de Jesus Cristo, nosso
Senhor, amém.”
Há algum tempo, quando eu estava fazendo a súplica acima,
peguei-me num ato falho. Eu pretendia orar para que Deus deixasse passar de mim
as coisas temporais, a fim de que em última instância, eu não perdesse as
coisas eternas. E me vi orando para que Deus me fizesse passar pelas coisas eternas
para que, no final das contas, não desperdiçasse as coisas temporais. É claro que eu não acho que um ato falho seja
pecado. Não tenho nem sequer certeza de que seja um freudiano convicto o
suficiente para acreditar que todos esses atos, sem exceção, sejam
profundamente significativos, mas acredito que alguns deles o sejam e que esse
era um desse tipo. Eu pensava que o que eu havia dito de forma inadvertida
expressasse quase exatamente o que eu desejava de fato.
Quase exatamente; não, é claro, precisamente! Eu nunca fui
estúpido o bastante para pensar que o eterno poderia, estritamente, ser
“passado para trás”. Eu queria mesmo passar para trás, sem prejuízos às coisas
temporais, aquelas horas ou aqueles momentos em que eu atentei para o eterno e
me expus a ele. […]
É desse tipo de coisa
que eu estou falando. Eu faço as minhas orações, leio um livro devocional,
preparo ou recebo um sacramento. Mas enquanto faço essas coisas, há, por assim
dizer, uma voz dentro de mim que me alerta a tomar cuidado. Ela me recomenda
ser cuidadoso, me manter frio, não ir longe demais, não atiçar fogo no meu
próprio bote. Eu me apresento diante de Deus, morrendo de medo, torcendo para
que nada aconteça comigo dentro daquela presença que se prove inconveniente e
intolerável demais quando eu voltar à minha vida “normal”. Não gostaria de ser
levado a tomar alguma decisão que viesse a lamentar mais tarde. Eu sei que
deveria me sentir bem diferente depois do café da manhã; não gostaria que me
acontecesse nada no altar que redundasse em uma conta muito alta para eu pagar
na hora. Seria muito desagradável, por exemplo, assumir compromisso de amor
(enquanto estivesse no altar) de uma maneira tão séria que, depois do café da
manhã, eu tivesse de rasgar a resposta malcriada que tinha escrito ontem para
um leitor descarado e que eu pensava em postar hoje. Seria bem estressante
comprometer-me com um programa de temperança que acabasse com a minha hora do
cigarro depois do café da manhã (ou que, na melhor das hipóteses, me desse a
alternativa cruel de deixar o cigarrinho para mais tarde). Haverá sempre um dia
em que teremos que pagar pelos vícios do passado. Quando nos arrependemos,
reconhecemos esses vícios como pecados – que, portanto, não devem ser
repetidos. Melhor então deixar a coisa em aberto.
O princípio básico de todas essas precauções é o mesmo:
proteger as coisas temporais.
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