C. S. Lewis -
Técnica de aperfeiçoamento
Extraído do
livro: Um ano com C.S. Lewis – Ed. Ultimato
Original do
livro: O Problema do Sofrimento
Todo
e qualquer argumento para justificar o sofrimento provoca ressentimentos
amargos contra quem está sofrendo. Você gostaria de saber agora como eu me
comporto quando passo pela experiência do sofrimento e quando não estou
escrevendo sobre ele? Não precisa adivinhar, pois eu vou lhe contar; não passo
de um covarde. Mas o que isso poderia contribuir para a história? Quando penso
no sofrimento – aquela ansiedade que me atormenta como fogo e a solidão que se
estende como um deserto, a triste rotina da miséria monótona, as dores
entorpecentes que escurecem todo o nosso horizonte ou aquelas dores repentinas
de dar náuseas que arrancam o coração de uma só vez, dores que já parecem ser
intoleráveis e depois aumentam, dores furiosas como se fossem picadas de
escorpião provocando movimentos loucos em alguém que parecia meio morto por
causa das torturas já sofridas – isso “quase abate o meu espírito”. Se eu
conhecesse algum meio de escapar, rastejaria através de canos de esgoto para
encontrá-lo. Mas qual a vantagem de lhe contar sobre os meus sentimentos? Você
os conhece muito bem: eles são iguaizinhos aos seus. Não estou dizendo que o
sofrimento não seja doloroso. O sofrimento dói. É isso que a palavra significa.
Só o que estou tentando fazer é mostrar que a velha doutrina cristã de
“aperfeiçoar por meio do sofrimento” (Hb 2: 10) não é de toda inacreditável.
Provar que isso agradável ao paladar está fora dos meus desígnios.
Minha
própria experiência é mais ou menos a seguinte. Estou progredindo ao longo da
estrada da vida em minha condição usual, decaída, absorvido por um encontro
agradável com amigos marcado pra amanhã ou por um pouco de trabalho que estimula minha vaidade hoje, ou
um feriado, ou um novo livro, quando, de repente, dores abdominais apontam para
uma doença séria, ou uma notícia nos jornais ameaçando o mundo de uma
destruição faz ruir o meu castelo de cartas. Em princípio, fico espantado e
todas as minhas pequenas alegrias se vão como brinquedos quebrados. Depois,
lentamente e com relutância, tento pouco a pouco colocar-me naquele estado
mental em que deveria permanecer o tempo todo. Então, eu me lembro de que todos
aqueles brinquedos não tinham o propósito de se apossar do meu coração; que meu
bem real
estava em outro mundo e que meu único e verdadeiro tesouro é Cristo. E
quem sabe assim, pela graça de Deus, por um dia ou dois dias, eu tenha sucesso
em me tornar uma criatura conscientemente dependente de Deus, capaz de extrair
força das fontes certas. Mas assim que a ameaça é retirada, toda a minha
natureza salta de volta aos brinquedos: fico até mesmo nervoso, Deus que me
perdoe, por banir de minha mente a única coisa que me sustentou sob ameaça,
porque ela agora está associada à miséria daqueles poucos dias. Portanto a necessidade de sofrimento está
muito clara. Deus me possuiu por apenas quarenta e oito horas e somente às
custas de tirar tudo o mais do meu caminho. Foi só Deus guardar a sua espada
por um momento, que eu me comportei como um filhote de cachorro depois da
odiosa hora do banho – sacudindo-me o quanto podia e fugindo a fim de voltar
logo para a minha sujeira confortável, se não no monte de estrume mais próximo,
pelo menos no túmulo mais próximo. E essa é a razão por que tribulações não têm
como parar enquanto Deus nos veja recompostos ou veja que nossa recomposição
esteja garantida agora.
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