sábado, 31 de março de 2012

C.S. Lewis – Democracia, Igualdade e Teologia


Extraído do livro: O peso de glória – Ed. Vida

Agora preciso dizer algo que talvez lhes pareça um paradoxo. Vocês sempre ouviram que, apesar de ocuparmos posições diferentes e termos condições diferentes no mundo, somos iguais aos olhos de Deus. Naturalmente, isso é verdade em alguns sentidos.

Deus não faz acepção de pessoas. Seu amor por nós não é medido pela nossa posição social nem pelos nossos talentos intelectuais. Acredito, porém, que existe um sentido em que essa máxima é o oposto da verdade. Arrisco-me a dizer que é necessário igualdade artificial na vida civil, no Estado, mas que na Igreja nos despimos do disfarce, recuperamos nossas verdadeiras desigualdades e somos por isso renovados e aguçados.

Acredito na igualdade política. Entretanto, existem dois motivos opostos para ser democrata. Pode-se pensar que todos os homens são   tão bons que merecem um quinhão no governo da Commonwealth, e tão sábios que a Commonwealth precisa do conselho deles. Essa é, em minha opinião, a doutrina romântica e falsa da democracia. Por outro lado, pode-se acreditar que homens decaídos sejam tão perversos que a nenhum deles se deve confiar irresponsável poder sobre os demais.

Acredito que essa seja a verdadeira base da democracia. Não acredito que Deus tenha criado um mundo igualitário. Acredito que a autoridade dos pais sobre os filhos, do marido sobre a mulher, dos instruídos sobre os simples fazia parte do plano divino original, da mesma forma que a autoridade do homem sobre os animais. […] Uma vez porém, que conhecemos o pecado, descobrimos, como diz Lorde Acton, que “todo poder corrompe, e o poder absoluto corrompe absolutamente”.

O único remédio foi retirar os poderes e pôr no lugar uma ficção de igualdade. A autoridade do pai e
do marido foi corretamente abolida no plano jurídico, não porque essa autoridade em si seja ruim (pelo contrário, ela é, considero, de origem divina), mas porque os pais e os maridos são maus. A teocracia foi corretamente abolida, não porque é ruim que os sacerdotes instruídos governem os leigos ignorantes, mas porque os sacerdotes são homens perversos como todos os outros. […] Para mim, a igualdade está na mesma condição das roupas. São a consequência da Queda e o remédio para ela.[...] Qualquer tentativa de refazer os passos pelos quais chegamos ao igualitarismo e de reintroduzir as antigas autoridades no nível político é para mim tão tola quanto seria abolir as roupas. Os nazistas e os nudistas cometem o mesmo erro.

É o corpo nu, ainda sob as roupas de cada um nós, que de fato vive. Nosso verdadeiro interesse é o mundo hierárquico, ainda vivo e escondido (muito pertinentemente) por trás de uma fachada de cidadania igualitária.

Não me entendam mal. Não estou nem um pouco diminuindo o valor dessa ficção igualitária, que é nossa única defesa contra a crueldade uns dos outros.[...] A função da igualdade, entretanto é, puramente protetora. É um remédio, não o alimento. Tratando as pessoas humanas (em sensato desafio aos fatos observados) como se elas fossem todas do mesmo tipo, evitamos inúmeros males.

No entanto, não é para viver nesse sistema que fomos criados. É desnecessário dizer que os homens têm igual valor. [...]

O valor infinito de cada alma humana não é uma doutrina cristã. Deus não morreu pelo homem por causa de algum valor que tenha visto nele. O valor de cada alma humana em si somente, fora da relação com Deus, é zero. Como escreve o apóstolo Paulo, ter morrido por homens de valor não teria sido divino, mas tão somente heróico; mas Deus morreu por pecadores. Ele nos amou não porque somos amáveis, mas porque Ele é Amor. Pode ser que Ele ame todos igualmente – sem dúvida Ele amou todos a ponto de morrer (…). Se existe igualdade, ela está no amor d’Ele, não em nós.


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